Os ânimos alteraram-se e as palavras de ordem voltaram-se para o alvo: "Morte à P.I.D.E.!".
Seriam já 5 da tarde, quando a mole abordou a Rua António Maria Cardoso. Chuviscava intensamente e, à passagem dos manifestantes, a calçada ia-se vendo espoliada das suas pedrinhas. Arsenal para qualquer eventualidade, carregando os bolsos, não o suficiente para tornar penosa a marcha.
A Galeria de Arte do Diário de Notícias já ficara para trás quando um pensamento sobressaltou a minha cabeça e me fez desatar a correr para a cabeça da multidão e gritar, gritei tão alto quanto pude: "Eles vão atirar!".
Fora um gelado arrepio que me varrera o corpo e me fizera agir de um modo que parece, hoje, louco.
Fora-me pôr ali, de costas para o inimigo que estaria pronto a disparar.
E disparou rijamente, rajada de bala de borracha, primeiro, granada defensiva, depois. O impulso que resultou dos primeiros ferimentos foi o pulo salvador para a roda traseira de um VW carocha estacionado em frente do Teatro da Trindade...
(continua)
Caminhei lentamente sorvendo o ar e lavando os olhos de multidão.
Alimentei-me da conversa, dos gritos e dos ruídos, por aquele magnetismo que juntava os ânimos naquele princípio de tarde de um país que acabava de nascer, em que tudo tinha que ser feito de novo, com muito debate.
O meu objectivo mudou, deixou de ser urgente fotografar, era imperioso participar na festa... e ir comprar o República, que só na sede parecia ser possível.
Abandonei a estação do Rossio e rumei à Rua do Alecrim, mas por caminho longo...
Desci a Rua do Ouro até ao Terreiro do Paço, virei na Praça do Município e segui pela Rua do Salitre até ao Largo do Espírito Santo e aí comecei a subida da Rua do Alecrim. O que vi foi muita festa e pouca tropa. Estava no Largo do Carmo... ainda (?). A meio do referido passeio já havia encontrado uma multidão conhecida: Estudantes da Federação das Associações de Lisboa, e, claro, juntei-me a eles.
O Jornal República tinha as portas fechadas e só 6 meses mais tarde comprei a edição de 25 de Abril de 1974!
(continuarei a contar onde estive nesse dia)
A forma como vivi esse dia é frequentemente recordada na minha mente. Alguns sinais desse dia não me largam a memória:
- A chuvinha miúda e incessante, mais teimosa durante a tarde..., molhava até os ossos;
- Aquele estúpido chapéu de chuva colorido e tão fora do seu tempo, contrastava com o negro do chuvoso final de tarde, envolta em silvos de sirene e apelos repetidos para que se deixassem socorrer os feridos;
- O negro VW, miraculosamente para mim, estacionado em frente do Teatro da Trindade;
- A bala que não dói ao atravessar a carne, mas apenas adormece o corpo e faz tombar;
- O pânico da prisão, misturado com profunda revolta e raiva pela traição;
- A horrível memória de puxar corpos, alguns já sem vida;
- A fuga saltitante do ferido em busca de tratamento em lugar seguro.
São estas as mais fortes memórias que este, então jovem de 19 anos, guarda em si! Pulara da cama e dirigira-se, como de costume, para o comboio da 8h 05m. Seriam 8h 20m quando se apeou no Rossio, rolo de desenhos debaixo do braço, a caminho do Metro que o levou ao Saldanha.
Trabalhava então como desenhador projectista e tinha levado muito trabalho para casa que teria que entregar nessa manhã. A vida de estudo e trabalho consumia o tempo todo (dormia pouco e dava algum tempo às actividades associativas estudantis).
Já no atelier, é pelo Rádio Clube Português que fica a saber o que se passara. Mais notícias vão surgindo com a chegada de cada colega, que a sua maneira colheu novidades por onde andou. Decide que só depois do almoço iria misturar-se com as multidões e captar imagens dos acontecimentos, mas para isso teria que ir a Queluz buscar a F1 e rolos.
(continua...)
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