Após ver removidos, sem anestesia, os estilhaços visíveis (nesse dia foram trinta e três, nem de propósito!) e transportado a casa, experimentei à chegada o momento mais difícil e penoso (ainda hoje), de recordar.
A cama foi o destino dos meus passos, sem dar lugar a qualquer troca de palavras.
(continua)
Ficou negro o horizonte visível. Mesmo depois de regressado o silêncio, restavam as partículas da artelharia usada, e os corpos cobrindo o asfalto e o estreito passeio.
Espalmados no solo, imóveis tolhidos pelo pânico, a maioria; sem vida, quatro infelizes. Estes os únicos que não experimentaram o dilema geral: "Aceitar o socorro prometido e ficar preso!".
O medo que todos atingiu, não impediu o auxilio aos que estavam capazes de se mover.
A fuga do local deu-se, conforme a prática da época: "cada um por si e nada de ajuntamentos!"
Furtivamente, de porta em porta e após espreitadelas, se foi construindo o percurso da fuga, que no meu caso passava por tomar o comboio no Rossio.
Descendo para Teatro de São Carlos pelas escadinhas deparei, ou fui seguido pelo estúpido chapéu de chuva colorido. Só muito recentemente entendi o que fazia aquele indivíduo: localizava os feridos em fuga!. Pois, como vim a saber, acompanhou outros companheiros e sempre até que deixaram o mesmo perímetro (o Quartel General da Polícia Política).
A visita ao edifício ajuda a compreender melhor a acção deste agente misturado com os manifestantes e era de facto notória a sua presença no meio daquela densa mole humana.
Foi esta a última manifestação de repúdio popular por aquela odiada mão do regime que, estranhamente, fizera um acordo de passividade com o golpe militar realizado pelos capitães.
Agora, que se aproxima o apagamento da memória da sua existência, com a conversão do Edifício em Condomínio Privado, mais difícil será testemunhar as pérfidas actividades destes agentes que mais pareciam ter surgido directamente do Tribunal do Santo Ofício.
Voltando à fuga... Entre curtos repousos, para descansar a perna que estava útil, lá fui chegando ao comboio, depois de me sentar... terei desmaiado.
Já com o comboio parado, fui despertado por uma voz que me gritou ou ouvido: "Não sais aqui?!"
Penso que deixei o comboio aos ombros de alguém. É certo que me levaram ao Posto Médico dos Bombeiros Voluntários de Queluz, como era de minha vontade. Tive oportunidade de liquidar a conta dos tratamentos.
(continua)
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